O país africano torna-se assim o primeiro país do continente a falhar um pagamento de dívida desde que a Costa do Marfim não foi capaz de honrar os compromissos financeiros, em 2011.
A falha no pagamento foi confirmada por vários analistas e detentores dos títulos de dívida pública à agência de informação financeira Bloomberg, e surge como a consequência natural do anúncio feito pelo próprio Governo moçambicano, dois dias antes do final do prazo, de que não iria pagar os quase 60 milhões de dólares que eram devidos aos detentores dos 727,5 milhões de dólares em títulos de dívida soberana que Moçambique emitiu em abril do ano passado.
O Ministério das Finanças de Moçambique confirmou no dia 16 de janeiro que não iria pagar a prestação desse mês, de 59,7 milhões de dólares relativos aos títulos de dívida soberana com maturidade em 2023, entrando assim em incumprimento financeiro (‘default’).
“O Ministério da Economia e Finanças da República de Moçambique quer informar os detentores dos 726,5 milhões de dólares com maturidade a 2023 emitidos pela República que o pagamento de juros nas notas, no valor de 59,7 milhões de dólares, que é devido a 18 de janeiro, não será pago pela República”, lê-se nesse comunicado.
No documento, Moçambique lembrava que já tinha alertado em outubro para a falta de liquidez durante este ano e salientava que encara os credores como “parceiros importantes de longo prazo, cujo apoio à necessária resolução do processo da dívida vai ser crítico para o sucesso futuro do país”.
Na sequência deste anúncio, a Standard & Poor’s cortou o ‘rating’ do país para ‘SD/D’, ou seja, incumprimento financeiro parcial, e considerou que a falta de pagamento era uma estratégia governamental para forçar os detentores de dívida a negociarem uma reestruturação da dívida, o que até agora têm rejeitado.
Já a Fitch manteve o ‘rating’ do país, mas alertou que a falta de pagamento da prestação de janeiro por Moçambique vai “aumentar o período de incerteza” sobre a reestruturação da dívida soberana emitida em abril do ano passado.
A Moody’s, por seu turno, também considerou a falta de pagamento como um incumprimento, mas não desceu o ‘rating’, considerando que a avaliação de Caa3 já implica uma assunção de potenciais perdas para os credores de 20 a 35%, que podem chegar a quase 50% de acordo com a média histórica de ‘defaults’ soberanos.
Angola pode ser o próximo país a entrar em default
O analista John Ashbourne, da consultora Capital Economics, considera que Angola é o país em África que mais probabilidades tem de enfrentar uma crise financeira.
“Dado o opaco e muitas vezes sigiloso Governo, é o país mais provável de lançar uma surpresa ao estilo de Moçambique, anunciando que as coisas estão muito piores do que os números oficiais sugerem”, disse o analista da consultora britânica, responsável pelo departamento africano.
Em declarações à Bloomberg no seguimento do incumprimento financeiro de Moçambique, Ashbourne argumentou que Angola, a terceira maior economia africana depois da Nigéria e da África do Sul, “tem uma economia em dificuldades, uma moeda sobrevalorizada e volumes excessivos de dívida pública e privada”.
A possibilidade de o incumprimento financeiro de Moçambique, hoje materializado, poder estender-se a mais países africanos, é um dos temas que os analistas dizem estar a preocupar os investidores, com o modelo de risco de crédito soberano da agência financeira Bloomberg a apontar o Senegal, Tunísia, Gana e Zâmbia como os mais problemáticos.
O modelo da Bloomberg usa dados que incluem o défice orçamental, as reservas externas, o crédito malparado nos bancos e a instabilidade política para calcular as probabilidades de incumprimento financeiro por parte dos Estados.
“O ‘default’ de Moçambique levantou o receio de uma série de crises da dívida em África”, acrescentou o economista e analista da Capital Economics.
“Apesar de o risco de contágio numa região com economias díspares e poucas ligações económicas entre si ser baixo, alguns países podem enfrentar dificuldades no pagamento ou na reestruturação de títulos de dívida pública vendidos durante os anos de grande crescimento”, concluiu o responsável.
Além dos quatro países identificados como problemáticos pelo modelo da Bloomberg, este economista identificou também, para além de Angola, o Quénia e a Costa do Marfim como os que têm mais probabilidade de entrar em incumprimento financeiro, seja por razões económicas, seja por instabilidade política.
Moçambique entrou hoje oficialmente em incumprimento financeiro, depois de terminar na quinta-feira o período de tolerância para o pagamento de 60 milhões de dólares referentes à prestação de janeiro da emissão de dívida pública feita em abril.
Torna-se, assim, o primeiro país do continente a falhar um pagamento de dívida desde que a Costa do Marfim não foi capaz de honrar os compromissos financeiros, em 2011.