Não usa casaco ou gravata, apenas uma camisa branca. Pergunta, em português, se está tudo bem, e senta-se em frente a um grande quadro branco cheio de palavras como “voter”, “engagement”, “turnout”, todas ligadas por setas, organizadas em listas, destacadas com um balão. O diretor político da Casa Branca, como toda a administração de Barack Obama, foi apanhado de surpresa pela derrota de Hillary Clinton. Depois de 20 de janeiro – data da tomada de posse do 45º Presidente dos EUA – será o diretor da Fundação Obama.
Filho de António Simas, de São Miguel, nos Açores, e de Deolinda Matos Simas, de Abela, no Alentejo, David cresceu em Taunton, em Massachusetts, a falar português. Decidiu ser advogado em criança quando viu em ação a jurista que defendeu a mãe depois de esta perder dois dedos a trabalhar numa fábrica. Foi ativista na comunidade portuguesa, escreveu nos seus jornais, teve programas nas suas rádios, e foi depois trabalhar para o governador do estado. Chegou à Casa Branca há quase oito anos. Primeiro como conselheiro, depois como uma das figuras centrais da reeleição de Obama, em 2012, e, finalmente, como diretor do seu gabinete político.
Casado, com duas filhas, ainda liga para os pais todos os dias. Na conversa que teve com a VISÃO, a primeira desde a eleição realizada a 8 de novembro, fala sobre a vitória de Donald J. Trump, de como a história olhará para a presidência de Barack Obama e do privilégio que foi servir o país que mudou a vida da sua família. Veja aqui algumas das suas fotos na mais conhecida mansão de Washington D.C., tiradas pelo também luso-descendente Pete Souza, fotógrafo oficial da presidência.
RECORDE AQUI A ENTREVISTA À VISÃO:
“Trabalhar com com Obama foi a honra de uma vida”
Parou de chover há minutos e o céu sobre Washington continua cinzento. Ao subir o passeio que conduz até à Casa Branca, o Sol esconde-se atrás do edifício, criando uma aura de luz à sua volta. Gabriella Janou, assistente de DavidSimas, indica o caminho e fala dos dias que se passaram desde a surpreendente eleição de Donald J. Trump. “O David tem uma postura tão tranquilizadora”, diz.
“Pode estar tudo caótico à nossa volta, mas falamos com ele e sentimos que vai tudo ficar bem.” Encontramos Simas, de 46 anos, no seu gabinete, segurando uma caneca com chá.
Não usa casaco ou gravata, apenas uma camisa branca. Pergunta, em português, se está tudo bem e senta-se em frente a um grande quadro branco, cheio de palavras como “voter”, “engagement”, “turnout”, todas ligadas por setas, organizadas em listas, destacadas com um balão. O diretor político da Casa Branca, como toda a administração de Barack Obama, foi apanhado de surpresa pela derrota de Hillary Clinton. Ainda não sabe o que fará depois de 20 de janeiro este não era o plano, mas sabe que há novas forças a mudar radicalmente a forma como as democracias ocidentais funcionam, e é isso que quer estudar.
Filho de António Simas, de São Miguel, nos Açores, e de Deolinda Matos Simas, de Abela, Santiago do Cacém, no Alentejo, David cresceu em Taunton, em Massachusetts, nos EUA, a falar português. Decidiu ser advogado em criança quando viu em ação a advogada que defendeu a mãe, depois de esta perder dois dedos a trabalhar numa fábrica. Foi ativista na comunidade portuguesa, escreveu nos seus jornais, teve programas nas suas rádios e foi depois trabalhar para o governador do Estado.
Chegou à Casa Branca em janeiro de 2009. Primeiro como conselheiro do 44º Presidente, depois como uma das figuras centrais da reeleição de Barack Obama, em 2012, e, finalmente, como diretor do seu gabinete político.
Casado, com duas filhas, ainda liga para os pais todos os dias. Nesta conversa, a primeira desde a eleição de 8 de novembro, fala sobre a vitória de Donald J. Trump, de como a história olhará para a presidência de Barack Obama e do privilégio que foi servir o país que mudou a vida da sua família. Com uma voz calma, num discurso seguro e sem hesitações, fala dos riscos do mundo tribal em que vivemos.
Acredita que precisamos de bater à porta dos nossos vizinhos, como fez na sua primeira campanha, quando tinha 23 anos, e ter uma conversa honesta.
O resultado da eleição surpreendeu-o?
Sim. Todas as sondagens, as do Partido Democrata, as do Partido Republicano e as que eram públicas, diziam a mesma coisa. E havia as indicações do voto antecipado.
Tudo isso parecia muito, muito, bom. O que aconteceu no dia da eleição foi uma surpresa para todos democratas e republicanos.
O seu percurso de vida inclui duas grandes narrativas desta eleição: por um lado, é filho de imigrantes; por outro, vem de uma família de operários, pessoas que perderam os empregos quando as fábricas se mudaram para o estrangeiro. Como é que isto influencia a forma como olha para os resultados?
Ainda não temos informação suficiente para entender e explorar os diferentes grupos. Sabemos que o voto hispânico subiu, sobretudo em locais como a Florida e o Nevada. Estes eleitores votaram em percentagens muito mais altas do que no passado, e o seu apoio à secretária [Hillary] Clinton foi tão bom quanto ao Presidente Obama. A imigração foi sempre um tema difícil. Ambos os lados concordam que temos de consertar o sistema, o problema é encontrar uma solução com a qual se comprometam.
Portanto, foi um fator importante, sim, mas não sei quão importante. Quanto às zonas industriais, o mais interessante é que a taxa de popularidade do Presidente Obama hoje é tão alta quanto era em 2009. Há eleitores no Ohio, na Pensilvânia, no Michigan, no Wisconsin estados onde ele venceu duas vezes, e onde ainda tem uma taxa de aprovação bastante favorável, que votaram em Donald Trump. Dizer que há uma motivação económica explica o que aconteceu em parte, mas tem de haver algo mais profundo.
Vamos trabalhar muito, durante algum tempo, para perceber o que aconteceu.
Teremos uma melhor noção, dentro de alguns meses, quando cada Estado publicar os nomes de todos os que votaram.
Hoje ainda ninguém sabe o que se passou.
Obama envolveu-se, até em termos pessoais, e pediu que apoiassem Clinton. Porque é que isso não resultou?
Sempre acreditei que na política norte-americana a popularidade e aprovação são muito, muito, difíceis de transferir de uma pessoa para outra. Nos EUA, à exceção de um terço para um lado e de um terço para o outro, os eleitores não têm especial afinidade com democratas ou republicanos. Avaliam um candidato e o seu adversário de forma individual. Tomam nota se o Presidente apoia alguém, mas acham que isso diz pouco sobre os dois candidatos.
Clinton concorreu com uma plataforma que continua o trabalho de Obama. Trump quer revertê-lo. Tendo em conta o que diz, a avaliação dos eleitores teve pouco a ver com políticas…
Quando as pessoas pensam sobre o Presidente Obama, têm uma avaliação do trabalho que ele fez, mas também têm uma avaliação muito pessoal dele, do tipo de pessoa que é, daquilo que representa.
Há algumas coisas que, com ele, foram sempre verdade: as pessoas veem-no como não sendo parte do sistema, mesmo depois de oito anos como Presidente; veem-no como não sendo muito partidário, acreditam que está disponível para trabalhar com os republicanos; e também dizem que tem tentado enfrentar os interesses instalados, à direita e à esquerda.
Muitas das mensagens do Presidente eleito são bastante semelhantes. As políticas, o tom e a atitude não podiam ser mais diferentes, mas existe alguma consistência: ambos não fazem parte do sistema e enfrentam os interesses instalados.
Como foi trabalhar com Barack Obama?
Maravilhoso. A honra de uma vida.
O Presidente e a primeira-dama são das pessoas mais decentes e boas que existem. Nos últimos oito anos, vi Obama lidar com alguns dos problemas mais complexos que um ser humano pode ter de resolver. E fê-lo sempre com firmeza, ponderação, perspetiva global e equilíbrio uma abordagem que não diminui a urgência da situação, mas que modela bom comportamento para o resto da equipa.
“Sê clínico, sê ponderado, não penses no que é expediente, mas no que pode acontecer em cinco, dez, quinze anos.” E faz isto respeitando todos à sua volta.
Está orgulhoso do trabalho que fizeram?
O Presidente lê dez cartas por dia. Recebe 40 mil, mas lê uma seleção de dez. Nós também as lemos. Esta casa [Casa Branca] pode ser uma bolha e essas cartas são a única maneira de termos a perceção e a reação das pessoas ao nosso trabalho. Ao lê-las, não posso estar mais orgulhoso do que fizemos. Quando sairmos daqui, a 20 de janeiro, podemos dizer, com toda a honestidade, sinceridade e boa-fé, que deixamos o país num lugar melhor do que onde o encontrámos.
Como conselheiro, imagino que tenha conversado muitas vezes com Obama sobre o seu legado. Como é que querem que esta presidência seja lembrada?
Acredite ou não, nunca falámos em termos de legado. O legado é quando já se terminou o trabalho. Mas há várias coisas de que estamos orgulhosos. Salvar a economia. A economia nos EUA e no mundo, em 2008 e 2009, afundou mais rápido e mais profundamente do que durante a Grande Depressão. Atuámos rapidamente, ao contrário do que vimos em outras partes do mundo, incluindo a Europa, o que nos colocou na situação em que estamos agora: 76º mês consecutivo de criação de postos de trabalho.
Estamos orgulhosos por 22 milhões de pessoas que não tinham acesso a cuidados de saúde os terem agora. O Presidente orgulha-se de, pela primeira vez, ter unido o mundo numa agenda para o clima. Estamos orgulhosos da discussão sobre direitos civis, sobretudo em relação à população LGBT. Quando ele chegou ao poder, apenas alguns estados tinham igualdade de casamento, agora a lei estendeu-se a todo o país. Estamos orgulhosos de, agora, termos apenas 10 a 15 mil homens e mulheres [militares] em combate, em vez de 180 mil. Temos orgulho da relação com Cuba estar restabelecida, no acordo nuclear com o Irão, no facto de a energia renovável nos EUA estar em franca expansão e de sermos menos dependentes [energeticamente].
Quando sairmos daqui, vamos começar a pensar em legado. Não apenas em como aumentar aquilo que construímos, mas também em como protegê-lo.
Qual pode ser o efeito do próximo Presidente em tudo isso? Até que ponto está preocupado?
O que ele disse durante a campanha era que queria revogar o Obamacare, o que fará com que 22 milhões de pessoas percam cuidados de saúde. Isso é mais fácil de dizer do que de fazer. Afirmou que quer rasgar o acordo nuclear com o Irão e o acordo climático de Paris. Em relação ao Irão, há outros aliados que assinaram [o acordo], haverá consequências.
O mesmo com o acordo de Paris. É aí que a retórica de uma campanha encontra a realidade de governar. Se estou preocupado? Tens de estar sempre preocupado e preparado para argumentar que aquilo que fizeste é importante e deve ser preservado.
A mensagem que conduz Trump à Casa Branca e os valores que representa são muito diferentes dos da administração de que faz parte. Deixa a Casa Branca otimista?
Sou, por natureza, otimista. Não é ingenuidade. É o diagnóstico que faço dos desafios que temos e dos recursos que temos para lidar com eles. Mas há algumas coisas que aconteceram ao longo dos últimos quatro anos que alteraram a política global de uma forma que não pode ser corrigida. O Facebook e as redes sociais são fantásticos tenho família em Portugal com quem posso falar quase todos os dias, e isso é muito bonito. Mas vejo um post do meu primo no Alentejo e vejo também o post de alguém que partilha algo falso, errado, incendiário, e completamente inventado seja sobre a Hillary Clinton, Donald Trump, o Presidente Obama ou Michele Obama.
O meu maior motivo de preocupação é que as pessoas se estão a organizar e a viver em comunidades em que não interagem com pessoas que discordam delas. Nova Iorque é muito diferente de um condado rural do Iowa. Isso está a acontecer de uma forma que não acontecia antes. Uma segunda coisa que me preocupa é que parece não existir um local onde possas conseguir um facto de forma objetiva. O Presidente disse isto: “Quando nada é verdade, tudo é verdade.” Estamos cada vez mais a receber informação que apenas valida e reforça a nossa visão do mundo.
Que efeitos é que isso teve na eleição? E como se combate?
A minha preocupação é que isto causa uma desumanização das pessoas que discordam de ti. As coisas mais partilhadas nas redes sociais são as mais sensaciona- listas, as mais estridentes. De repente, o desacordo com o amigo republicano não é apenas uma desacordo, mas algo como: “Eu nem sei como é que pensas dessa forma!” Quando isso começa a acontecer, a nossa política torna-se tribal de uma forma que não é compatível com uma democracia pluralista. Vês isto a acontecer na Europa, nos EUA, e à volta do mundo, mas não conheço ninguém que tenha uma boa solução. Não convences alguém a juntar-se ao teu lado se começas a conversa dizendo que está errado. Nunca.
A campanha em que esteve envolvido foi considerada pioneira no seu uso das redes sociais. Quando é que deixou de ser algo positivo para se tornar um motivo de preocupação?
Vimos um bocadinho durante a reeleição.
Ouvíamos durante os focus groups.
Nunca me vou esquecer de uma maravilhosa senhora, na Florida, que, depois de ver vários anúncios, disse: “Eu não sei o que é verdadeiro, e não sei onde posso descobrir o que é verdadeiro.” Isto foi há 4 anos. Hoje, estás a receber algo diretamente de um amigo e, mesmo que não seja verdade, há um espetro de validação que torna a nossa política mais áspera e grosseira. Pondo de lado políticas democratas versus políticas republicanas, como é que se cria uma comunidade quando é cada vez mais difícil concordar num conjunto objetivo de factos? A conversa torna-se tão estridente, tornamo-nos tão isolados um do outro que acontece uma desumanização.
Não nos tratamos mais como membros de uma comunidade que, por acaso, discordam, mas como algo muito pior do que isso.
Do seu ponto de vista, um homem de partido, como é que isso se combate?
A única forma que conheço é no terreno, de forma muito local, no porta à porta, tendo conversas com base num nível de confiança. Todos os partidos, agora mais do que nunca, precisam de concentrar-se em corridas locais, como departamentos de educação, câmaras, representantes estaduais. Sobretudo os democratas, que não têm a Casa Branca. É aí que devem ir procurar respostas, criar um movimento muito mais de raiz.
É isso que se segue para David Simas?
Não sei onde, nem como, mas vou dedicar muito tempo a pensar nisto.
Tanto na ideia de como reconstruímos, ou reforçamos, a nossa ideia de comunidade, como num outro problema, que também precisa de ser falado: por vezes, é nestas eras de volatilidade e incerteza que as pessoas diminuem o seu próprio poder. Tornam-se resignadas, acham que não vale a pena [o esforço], perguntam qual o propósito, dizem que nada vai acontecer e que são todos o mesmo. Quando as pessoas perdem esperança, e abdicam do seu poder, a única coisa que estão a fazer é colocá-lo na mão de outras. Só 58 por cento dos eleitores votaram. Os 42 por cento que não votaram pegaram no seu poder, na sua voz, e deram-no a outros.
Disse-me uma vez que pensa nos seus pais todos os dias quando entra nesta casa…
Todos os dias.
É mais difícil sair neste momento, após esta campanha com uma linguagem tão forte contra a imigração?
Não. Estou entusiasmado com o próximo capítulo. Entre todos os que trabalharam nesta casa, independentemente de serem democratas ou republicanos, há uma irmandade, porque sabemos como é. A nossa esperança é que as pessoas que se seguem tratem esta enorme responsabilidade com o máximo de respeito e humildade, reconhecendo que não o estão a fazer por si, mas para 300 milhões de cidadãos.
Podemos esperar uma ordem internacional muito diferente, a partir do próximo ano?
As políticas serão diferentes, mas não sei se o Presidente eleito vai cumprir as coisas que disse. Não sei se, quando se encontrar com o primeiro-ministro de Portugal ou com a chanceler da Alemanha, um conhecimento mais profundo de como tudo é intrincado resultará num ponto de vista diferente. Mas será certamente diferente. O Presidente Obama costuma dizer que quando algo chega à sua secretária, isso significa, por definição, que mais ninguém o conseguiu resolver.
Historicamente, quando te sentas atrás daquela secretária, e recebes o primeiro briefing matinal, sobre o que está a acontecer no mundo, há uma sobriedade que chega com isso. É, obviamente, a nossa esperança de que isso continue a acontecer.