Agora é oficial: Londres está a usar o Brexit e a queda da libra para se promover como cidade em saldo, ideal para os estrangeiros visitarem. No site que vende a capital inglesa ao mundo como um destino turístico, o visitlondon.com, já se fazem simulações de poupança para famílias de vários pontos do globo, consoante a moeda que utilizam. Para o euro, segundo a estimativa deste guia oficial do visitante de Londres, um casal com dois filhos poderá poupar 125 euros por dia.
“Estes últimos dados mostram claramente que Londres está aberta a visitantes de todo o mundo e lhes oferece uma grande relação qualidade-preço”, publicita o mayor Sadiq Khan, que vai ser protagonista num vídeo promocional agora que o Natal se aproxima. “O turismo é crucial para a nossa economia e damos as boas-vindas a qualquer pessoa que queira vir e desfrutar do que Londres tem para oferecer.”
Oportunidade para recordar o artigo que a VISÃO publicou há um mês, na edição de 20 de Outubro
Os saldos do Brexit
A fúria consumista chegou este ano mais cedo às lojas da capital britânica e de várias outras cidades do Reino Unido.
E o mais provável é que se intensifique até ao natal: “O comércio tem sido muito forte nos últimos três meses, em especial devido aos visitantes da China, do Médio Oriente e da Europa, mas também a alguns americanos. Têm estado a comprar modelos da Rolex e da Hublot de 10 mil libras (cerca de 11 mil euros) e aumentaram também as vendas de 100 mil libras, da Jaeger-LeCoultre e da Vacheron”, afirmou uma porta-voz da Watch Gallery (rede retalhista de relógios) na última edição dominical do jornal Daily Mail. No mesmo texto, explica-se ainda que o volume de compras feitas por estrangeiros, por exemplo, no centro comercial Westfield London disparou setenta por cento em relação ao ano passado e que os produtos de luxo são os mais desejados.
A razão para este fenómeno é muito simples: a depreciação da libra esterlina ao longo deste ano, sobretudo depois do referendo de junho em que 52 por cento dos eleitores votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia – o famoso Brexit.
Quer em relação ao euro, quer em relação ao dólar, a moeda britânica caiu quase 20 por cento e é natural que haja quem faça contas para aproveitar esta autêntica época de saldos. Um iPhone 7 Plus custa em Portugal 919 euros mas pode ser comprado por menos de 800, em Londres. A mesma lógica pode ser aplicada a uma mala Ruffle Buckle, da Burberry, vendida na capital portuguesa por 2595 euros, mas disponível na cidade do Tamisa por 1995 libras, ou seja, por menos 370 euros. No entanto, em termos proporcionais, a poupança pode ser ainda maior se quiser um bólide made in United Kingdom: um Bentley Continental GT custa no nosso país qualquer coisa como 260 mil euros e, num stand londrino, pode ser seu por 150 mil libras (166 mil euros).
Claro que a corrida às pechinchas está também a dar polémica porque muitas empresas decidiram aumentar preços para compensarem a depreciação da moeda: “São os bandidos do Brexit”, como lhes chama o conservador Iain Duncan Smith, antigo ministro do Trabalho e da Segurança Social. Num artigo publicado pelo tabloide Sun, o analista económico Guy Shone compara a situação a uma vaca leiteira prestes a ser ordenhada e alega que o único objetivo é “aumentar os lucros”. O debate está lançado e o aumento dos preços parece ser como o tempo chuvoso do outro lado da Mancha – uma inevitabilidade. Dos chocolates ao leite, passando pelos computadores, os consumidores britânicos vão ter de abrir os cordões à bolsa e perceberam isso mesmo na semana passada quando a multinacional Unilever, dona de marcas emblemáticas como a Magnum, a Lipton e a Knorr, decidiu cobrar mais 10 por cento às cadeias de supermercados e retalhistas britânicos.
A Tesco recusou-se a pagar a fatura e retirou mais de 30 produtos da Unilever das suas prateleiras online, incluindo o creme de barrar que nunca falta em qualquer lar britânico, o Marmite. O caso ficou resolvido em 48 horas mas muitos jornais falaram logo em “guerra do Marmite” e houve quem apelasse a um boicote à Unilever sem perceber que isso iria também comprometer a produção do creme viscoso e altamente calórico feito com levedura de cerveja, na fábrica de Burton upon Trent, no centro de Inglaterra. Mesmo assim, muitos habitantes da cidade põem agora em causa a forma como votaram a 23 de junho e lamentam ter apostado no Brexit. O mais provável é que façam parte dos 6 por cento de arrependidos identificados no estudo de opinião realizado um mês depois do escrutínio. Não devem ser caso único. Muitos dos britânicos que, também na passada semana, tiveram de ir a casas de câmbio antes de viajarem para o estrangeiro ficaram igualmente com motivos de sobra para indignação e reflexão.
No aeroporto de Heathrow, a moeda nacional e o euro eram transacionadas ao mesmo valor, na sequência do trambolhão da libra a 11 de outubro: nesse dia, caiu para o mesmo nível registado em 1848, de acordo com os cálculos do Banco de Inglaterra (BoE) com base nas transações feitas com os principais parceiros comerciais do país. Ou seja, algo nunca visto desde o ano em que Karl Marx publicou em Londres o Manifesto Comunista e um grupo de estudantes de Cambridge definiu as regras de um desporto que haveria de ficar conhecido como football… A libra torna-se assim uma das três piores divisas do mundo em 2016, com uma depreciação só equiparável ao bolívar da Venezuela e ao naira da Nigéria.
O governador do BoE, o canadiano Mark Carney, já admitiu que a libra vai continuar a ser uma moeda volátil e que os preços tendem a subir, com muitos analistas a preverem que a inflação pode atingir os quatro por cento no próximo ano, o dobro do previsto pelo banco central. A confirmar-se tal valor, o poder de compra da população britânica vai ressentir-se ainda mais, cujos rendimentos continuam a ser, em média, quatro por cento mais baixos do que em 2007. A primeira-ministra Theresa May, que esta quinta-feira, 19, participa em Bruxelas na sua primeira cimeira de chefes de estado e de governo da União Europeia sabe muito bem que ninguém lhe vai facilitar a vida nos próximos meses. E isto quando ainda estamos a cinco meses do início das negociações formais para o Brexit…
A queda livre da libra: como tudo aconteceu
A moeda britânica caminha para a paridade com o euro desde que os britânicos votaram no divórcio com Bruxelas, ainda que nas últimas semanas tenha dado sinais de alguma recuperação. Confira a evolução da taxa de câmbio em euros:
€1,35 – 1 janeiro 2016: A libra e a economia britânicas vendiam saúde e poucos acreditavam que o Reino Unido poderia sair da União Europeia
€1,30 – 23 junho 2016: Maioria dos britânicos (51,9%) vota a favor da saída da UE
€1,10 – 13 outubro 2016: A primeira-ministra Theresa May anuncia que as negociações de saída da UE começam em março de 2017 e a libra, dias depois, atinge o nível mais baixo desde 1848. Banco de Inglaterra admite a volatibilidade da moeda e maior inflação
€1,16 – 17 novembro 2016: Tem havido uma ligeira recuperação nos últimos dias, à qual não será alheia a decisão do Alto Tribunal de Justiça de obrigar o Brexit a ter de ser ratificado no Parlamento. Desde esse dia, 3 de novembro, que a libra parou de cair face ao euro. Sem o voto dos deputados o Governo britânico não poderá acionar o famoso artigo 50.º para iniciar o processo de saída da União Europeia.
Calendário de alto risco
O Brexit e outros eventos que prometem abalar a Europa nos próximos meses
4 DEZEMBRO 2016
Itália realiza um referendo sobre a reforma eleitoral e do Senado. Caso perca, como indicam as sondagens, o primeiro-ministro Matteo Renzi ameaça demitir-se.
Áustria elege o novo Presidente e a escolha pode recair no populista radical Norbert Hofer
15 DE MARÇO 2017
Holanda tem eleições legislativas que podem ser ganhas pelo Partido da Liberdade, de Geert Wilders, que ameaça convocar um referendo sobre o Nexit, a saída do país da União Europeia.
Nessa semana devem começar as negociações formais entre Londres e Bruxelas sobre o Brexit
23 ABRIL
Primeira volta das eleições presidenciais em França. A líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, deverá disputar a segunda volta, agendada para 7 de maio
SETEMBRO
Catalunha deverá ir a votos num referendo para a eventual independência da região
OUTUBRO
Eleições legislativas germânicas podem confirmar o partido xenófobo Alternativa para a Alemanha como terceira maior força política do país e ditar o afastamento de Angela Merkel do poder (caso ela seja novamente candidata a chanceler).