A esta altura do campeonato, deve haver muito poucas coisas que os brasileiros não saibam já sobre Jorge Jesus. Nas vésperas do fim de semana em que o treinador português pode levar o Flamengo a sagrar-se, pela primeira vez desde 1981, vencedor da Taça Libertadores da América (o equivalente, na América do Sul, à Liga do Campeões) e campeão do Brasileirão (o título de campeão nacional foge ao Mengão desde 2009), JJ é, provavelmente, o homem mais falado no Brasil. Jornais, revistas e televisões têm-se desdobrado em reportagens, perfis e artigos de fundo que contam toda a história do técnico português, relatando-lhe os feitos desportivos, contando a sua vida e desvendando, até, os seus hábitos alimentares. Nos últimos quatro meses, depois da enorme desconfiança com que foi recebido no Rio de Janeiro pela crítica e pelos adeptos, o Mestre da Tática conquistou Terras de Vera Cruz, a ponto de haver quem defenda que merece que lhe seja erguida uma estátua ao lado da do outro Jesus, o Redentor, lá no Corcovado. E há todas as razões para esta loucura.
Desde que assumiu o comando técnico do Flamengo, o treinador português soma 24 vitórias e apenas 2 derrotas nos 32 jogos disputados. Pegou na equipa à 10ª jornada, quando tinha seis pontos de atraso face ao líder, o Palmeiras, para estar, hoje, a quatro jogos do fim do campeonato, destacado em primeiro lugar, com mais 13 pontos que o mesmo Palmeiras, faltando-lhe apenas dois para se sagrar campeão. Pontos esses que podem mesmo surgir já no domingo, caso a equipa que começou por ser orientada por Filipe Scolari não vença na receção ao Grémio de Porto Alegre. O título de campeão nacional, que foge ao Mengão desde 2009, parece, pois, uma questão de dias. Se não for no domingo, dificilmente não será na próxima quinta feira, 28, quando o Flamengo receber, no Maracanã, o modesto Ceará, 15º classificado. Um jogo que pode muito bem realizar-se em clima de total euforia, pois será o primeiro depois da final da Copa Libertadores do próximo sábado, em Lima, Perú, frente aos argentinos do River Plate. Esse jogo pode levar Jorge Jesus a conseguir o feito histórico de levar o clube à reconquista da mais importante prova do futebol sul-americano, algo que só aconteceu uma vez na história, nos idos de 1981, quando a equipa era liderada pele mítico Zico e tinha o ex-benfiquista Carlos Mozer como defesa-central.
Este trajeto triunfal permitiu aos torcedores do Flamengo, em particular, e aos brasileiros, em geral (e a muito mais adeptos do futebol do mundo inteiro), conhecer o Jorge Jesus como a esmagadora maioria dos portugueses já conheciam. Se dúvidas tivessem, agora já sabem que JJ vive, respira e transpira futebol. Não têm dúvidas de que as equipas por ele treinadas jogam habitualmente de forma espetacular, criativa, intensa e disciplinada. Reconhecem-lhe a capacidade de inventar ou reciclar futebolistas. Afinal, aquilo que, no Flamengo, conseguiu fazer com jogadores como Willian Arão ou Bruno Henrique não é diferente do que, no Benfica, fizera com Matic ou Enzo Perez. E sabem que tem o coração ao pé da boca. Mesmo com os conhecidos “problemas de expressão”, Jesus não deixa nada por dizer, seja a quem for, o que o leva, algumas vezes, a falar demais e a ser injusto ou indelicado. Mas sempre, sem sombra de dúvidas, genuíno.
O que é preciso saber sobre o Mister
Há, porém, alguns aspetos da carreira de Jorge Jesus que os brasileiros, entre os quais a maior torcida do mundo (diz-se que o Flamengo conta com 33 milhões de adeptos), não sabem ou, sabendo, preferem fazer de conta que desconhecem. Não vá dar-se o caso de isso trazer mau agoiro para os jogos cruciais que se avizinham. A primeira é a pouca sorte (chamemos-lhe assim) de Jorge Jesus em finais de competições internacionais. Ninguém em Portugal (sobretudo se for benfiquista) esquece as duas finais da Liga Europa consecutivas perdidas pelo Benfica, em 2013 e 2014. Vamos acreditar e torcer que à terceira vai ser de vez e que, no sábado, Jesus acaba com este seu carma. E dispensa-se a gracinha do “não há duas, sem três”, perante a qual os adeptos do Flamengo responderiam de pronto “sai p’rá lá, urubu”, não fosse o caso desta espécie de abutre ser a mascote do clube carioca.
Outro aspeto que já ocorreu mais do que uma vez na carreira de JJ e deve manter em alerta a nação rubro-negra foi o de ter conseguido perder dois campeonatos, quando tinha tudo para o ganhar. Aconteceu uma vez ao serviço do Benfica, em 2012-2013, quando um empate caseiro frente ao Estoril e a derrota no Dragão (com o célebre golo de Kelvin aos 92 minutos) transformaram uma vantagem de quatro pontos a três jornadas do fim em mais um título para o eterno rival FC Porto. Anos mais tarde, na primeira época ao serviço do Sporting, Jorge Jesus voltou a desperdiçar uma vantagem folgada. Depois de derrotar, por três vezes, o Benfica no início da temporada e de ter chegado a ter oito pontos de avanço no campeonato, a equipa do atual treinador do Flamengo deixou o título escapar-lhe das mãos. Este ano, a coisa está muito mais bem encaminhada e só uma verdadeira catástrofe impedirá a torcida do Mengão de festejar a conquista do Brasileirão.
Se e quando isso acontecer, os adeptos do clube do Rio de Janeiro poderão testar outra das facetas de Jesus que talvez ainda não tenham tido em conta, mas que se repetiu nos últimos anos: as primeiras temporadas de JJ ao serviço de um clube são sempre melhores do que as seguintes. Foi assim quando esteve ao serviço do Benfica, altura em que viu fugir-lhe os títulos de 2010/11, 2011/12 e 2012/13 depois de, na época inaugural, ter feito o clube conquistar o campeonato que lhe escapara nas quatro época anteriores. E foi assim também no Sporting, clube em que realizou uma primeira época extraordinária, com um recorde de 86 pontos, mas à qual se seguiriam duas outras dececionantes. Neste capítulo, há que fazer duas ressalvas em abono de Jesus: no caso do Benfica, Jesus viria a sagrar-se mais duas vezes campeão, somando, ao todo, 10 títulos em seis temporadas; no Sporting, é preciso não esquecer que o presidente era… Bruno de Carvalho.
Acreditando (e torcendo fervorosamente, confesso) que Jorge Jesus vai confirmar nos próximos dias que é o melhor treinador português da atualidade, levando o Flamengo à conquista da Libertadores e do Brasileirão, surge, finalmente, o quarto aspeto que os brasileiros desconhecem sobre aquele a quem chamam “o Mister”. Bem, neste caso, eles e nós. O que irá JJ fazer com toda essa glória? Renovar e tentar fazer melhor no ano que vem? Voltar a Portugal? Ou tentar a sorte numa das melhores Ligas da Europa?
A resposta, só o treinador saberá dar. Mas eu arrisco a fazer um prognóstico que, é, simultaneamente, um desejo. Aposto que JJ vai ganhar tudo que há para ganhar esta semana e, depois, vai lançar-se com todas as forças à conquista do Mundial de Clubes, em Dezembro (de 11 a 22), no Catar, prova na qual terá como grande adversário o imparável Liverpool. E, aí, sim. Se conseguir o título de Campeão do Mundo, Jorge Jesus assinará o seu nome na história do futebol mundial e há-de encontrar portas abertas num colosso europeu. Pode ser um sonho meu. Mas, parafraseando o próprio, aqui vai: “Eu acardito!”