Em plena campanha eleitoral francesa, Philippe Kenel, advogado suíço especialista em fiscalidade, publicou um aviso, nos jornais: “Se François Hollande for eleito Presidente e a esquerda conseguir a maioria no Parlamento, os ricos saem do país.” O seu vaticínio não podia estar mais correto ele sabe do que fala, pois é autor do Guia prático e jurídico da deslocação de investimentos para a Suíça.
Desde que o Governo de Hollande aprovou a lei que aumentou para 75% os impostos sobre os rendimentos das pessoas que ganham mais de um milhão de euros por ano, centenas de franceses mudaram de residência para países vizinhos, onde a fiscalidade é menos pesada, como a Bélgica, a Suíça ou o Mónaco.
O caso mais recente é o do ator Gerard Depardieu que decidiu mudar-se da sua casa em Lille, junto da fronteira, para Néchin, povoação belga, onde passará a pagar um imposto de 50% sobre o rendimento.
Deslocou-se menos de um quilómetro, mas conseguiu poupar alguns milhões, na sua fatura fiscal. Além dos cachets que recebe pelos filmes, Depardieu ganha muito dinheiro como produtor de vinho e proprietário de vários restaurantes.
A decisão do ator foi criticada em França, e o primeiro-ministro francês Jean-Marc Ayrault, apelidou-o de “desprezível”. A acusação gerou uma resposta pronta. Depardieu disse que trabalhava desde os 14 anos e que sempre pagara os impostos: “Muitas outras figuras, com mais importância que eu, deixaram o país mas apenas eu fui injuriado pelo Governo.” E não se ficou pelas palavras devolveu o passaporte e o cartão da Segurança Social, da qual, disse, nunca beneficiou.
O ÊXODO
Gerard Depardieu é apenas um dos milhares de franceses ricos que têm deixado o país, nos últimos meses. Bernard Arnault, um dos homens mais ricos da Europa, dono do Grupo LVHM, que controla marcas de luxo como a Louis Vuitton ou a Cartier, já o tinha feiro antes.
Atualmente, vivem 190 mil franceses na Bélgica, na sua maioria “exilados fiscais “, e a lista tende a engordar, desde que o Governo de François Hollande criou a nova taxa para os ricos. Segundo as autoridades belgas, o pedido de nacionalização de cidadãos franceses aumentou 20%, nos últimos meses.
Este fenómeno não é de agora nem se verifica somente em França. No final dos anos 60, princípio dos 70, no Reino Unido, a fiscalidade era muito apertada para os mais abastados, com taxas que chegavam perto dos 90% do rendimento.
Esta legislação fez com que muitos músicos e atores iniciassem um movimento a que mais tarde se chamou dos “exilados fiscais”. Desde os Rolling Stones, que abandonaram o país em 1971, a Rod Steward, Sean Connery, Michael Caine, Led Zeppelin, David Bowie, muitos foram os que rumaram para outras paragens. Alguns limitaram-se a passar o canal, para se instalarem em Paris ou na Riviera francesa. A sangria de talentos do Reino Unido, na década de 70, só foi estancada quando Margaret Tatcher assumiu a liderança do Governo, em 1979, colocando a taxa mais alta sobre os rendimentos nos 40 por cento. Muitas estrelas da música e do cinema puderam, então, regressar a casa.
Pelo contrário, a Suíça tem um regime de excepção para estrangeiros desde 1862. Esta medida foi criada no cantão do Lago Genebra, para atrair pensionistas ricos de outros países. Atualmente, esta pratica gera mais de 22 mil empregos.
MAIS IMPOSTOS, MENOS RECEITA?
É possível acabar com este fenómeno? Tiago Caiado Guerreiro, fiscalista, diz que os Estados não podem limitar os direitos dos seus cidadãos. E um desses direitos é mudar a residência para outro país. E poderia a União Europeia (UE) criar uma harmonização fiscal para que os impostos fossem iguais nos diversos Estados? “Se a UE fizer isso, os mais abastados mudar-se-ão para a Suíça, Tóquio, Dubai, Nova Iorque, etc.”, responde.
Para este fiscalista, a solução passa por baixar os impostos e tornar os países fiscalmente atrativos para cativarem pessoas “que trazem talento, investimento e riqueza. Os países com estratégias de baixos impostos tornaram-se dos mais ricos da Europa, como são os casos da Holanda, Luxemburgo ou Bélgica”.
Antes de ser eleito, François Hollande prometeu aumentar os impostos sobre os mais ricos e sobre o património, mas esta estratégia poderá sair furada, atendendo à quantidade de milionários que estão a deixar o país. De acordo com as estimativas, a receita adicional destas medidas será de aproximadamente mil milhões de euros. Em contrapartida, a riqueza que sai de França poderá ser superior a 20 mil milhões.
E enquanto o tema continua a gerar polémica, ali ao lado, na Suíça, Philippe Kenel, que vaticinou a sangria, consegue cada vez mais clientes dispostos a fazer as suas fortunas saltar a fronteira.