Paulo Azevedo, chairman da Sonae, era ontem, na apresentação de contas do grupo, um homem feliz. Não só porque o ano correu bem ao grupo – cresceu em vários segmentos –, como tudo o que tem vindo a público sobre o decorrer das investigações da Operação Marquês tem dado razão às suas desconfianças sobre o que esteve na base do falhanço da OPA da Sonae à PT.
Pela primeira vez, Paulo fez a sua apresentação de resultados sem a presença do olhar crítico do pai, Belmiro de Azevedo. Mas, na hora de perguntas e respostas, havia uma que se impunha, logo antecipada pelo Eco: “Como é que vê o facto de a OPA estar de novo na berlinda?”. Não era preciso dizer mais nada. Paulo Azevedo já a esperava e alargou o sorriso: “Passamos muitos anos a dizer que o jogo estava distorcido. Ouvíamos sempre como resposta que o jogo era limpo e, depois, de lado, riam-se na nossa cara. Não escondo que é com agrado que vejo que, de uma forma ou de outra, estavam todos feitos”.
Por “todos” entenda-se Ricardo Salgado, do BES, o Primeiro Ministro José Sócrates, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, da PT, e Armando Vara, administrador da Caixa Geral de Depósitos, os protagonistas que alegadamente se concertaram para impedir que passasse a OPA da Sonae à PT, lançada em 2006. Belmiro sempre deixou no ar que tinham sido dadas instruções do governo à Caixa para chumbar a OPA e Paulo Azevedo foi chamado, em 2015, a depôr no Ministério Público.
Este chumbo “fez-nos a vida difícil e de uma forma muito injusta”, disse Paulo com ar mais sério, “mas não somos de ficar parados e continuamos em frente. Sobre isso, não temos mais nada a dizer. Agora, a justiça fará o seu trabalho”. A Visão sabe que, depois desse depoimento, não houve mais contactos com o Ministério Público.
Mais rentabilidade, menos dívida
Na sua intervenção, Paulo Azevedo fez o “fact checking” daquilo a que se tinha proposto no ano anterior e do que tinha conseguido concretizar. “Estamos contentes com os resultados, mas sobretudo com a forma como os conseguimos. Cumprimos o que propúnhamos e continuamos fiéis aos nossos valores e objetivos.” Sublinhou o facto de serem lideres no preço da distribuição, de terem avançado na internacionalização, de terem voltado à Europa com centros comerciais – o ParkLane da Roménia está a ser “um sucesso” – , da Nos ter crescido no segmento da televisão, de terem entrado em força no mercado de saúde e bem estar e de terem aumentado a rentabilidade dos seus ativos.
De 2014 para 2016, foram menos 124 milhões de euros de dívida, que está agora nos 1,290 mil milhões. O volume de negócios consolidado foi de 5,376 mil milhões, um aumento de 7,2%. Os lucros chegaram aos 222 milhões, que reflete um crescimento de 25,6% face ao ano anterior.
Já antes, Angelo Paupério, co-ceo da Sonae, sublinhara “o reforço da solidez financeira” e “menos dívida”, devido também a uma renegociação “mais barata e com maior prazo” e a criação de mais 2265 postos de trabalho. “Agora, dois terços do nosso ativo é financiado com capitais próprios e só um terço por endividamento”.
A propósito da guerra com a Altice, que detém agora o que resta da antiga PT e é dona da concorrente MEO, por causa dos conteúdos desportivos e que levou a Nos a negociar também contratos milionários com os clubes de futebol, Paulo amostrou-se tranquilo. “Houve capacidade de encontrar soluções geradoras de valor para o mercado”, disse, não querendo, no entanto, adiantar se estavam previstos movimentos mais alargados a conteúdos informativos. Para já, tudo parece estar tranquilo. “O que não quer dizer que não possa haver novos movimentos de operadores que , por sua vez, levantem outras frentes. Mas não me parece que valha a pena gerar disrupções que acabem por gerar perda de valor. Essa não será a melhor maneira de evoluir no setor”, concluiu.
Aposta em novas áreas
Inovação no retalho, saúde e bem estar, e o ecommerce são as áreas que consideram importantes para o futuro e com grande potencial de crescimento. E se já se tinha estranhado que o chairman aparecesse com um look desportivo, e de sapatilhas, depois percebeu-se porquê.
Aliás, ele interrompeu-se a si próprio, de tão “distraído” a olhar para os seus pés. Os ténis eram o orgulho do momento no que toca à inovação: é o novo produto da Berg, de estilo desportivo, com aplicações de cortiça e burel, produtos bem portugueses. Este último vindo da fábrica de manteigas, que Isabel Costa, antiga funcionária da Sonae, recuperou. “Era uma pena se fechasse, como estava para acontecer”, disse Paulo.
Mas acabaria por terminar com um belo momento de humor: “Como veem, o modelo é fraco mas estou 100% em roupa Sonae”. Apontando para si próprio, descreve: “Camisa e casaco MO; calças da Salsa; e sapatos Berg”. E até sacou das respetivas etiquetas com os devidos preços. “Muito económico! É verdade que somos merceeiros. Mas somos agora merceeiros com alguma tecnologia, inovação e design.” Recado dado.