É a grande figura de Londres 2012, pelo menos antes dos Jogos começarem. O jamaicano Usain Bolt, 25 anos, chegou na quinta-feira à Aldeia Olímpica – “mal tive tempo para a ver, fui só ao restaurante e andei a cumprimentar toda a gente” – e ao fim da tarde deslocou-se a Brick Lane, o coração boémio e cosmopolita do East End, dar uma conferência de Imprensa, num antigo armazém industrial agora transformado em Casa da Jamaica, durante os Jogos.
Perante mais de 200 jornalistas, de todos os continentes, o recordista e campeão olímpicos dos 100 e 200 metros dominou o show do principio ao fim. Tal como faz nas pistas, também na plateia ele foi descontraído e desconcertante, tenso e dinâmico, solidário e divertido. Viu-se obrigado a esconder a gargalhada com o sotaque sino-britânico com que algumas perguntas foram formuladas por jornalistas chineses, mas também brincou quando ouviu um jamaicano questioná-lo: “Desculpa lá, já nem estava a reconhecer essa pronúncia.”
Numa sessão dirigida pelo britânico – de origem jamaicana – Colin Jackson, ex-recordista mundial dos 110 metros barreiras, e acompanhado pelo compatriota e companheiro de equipa Asafa Powell, ex-recordista mundial dos 100 metros, Usain Bolt deu todas as indicações que vem para Londres para ganhar. “Eu quero ser uma lenda!”, lembrou.
Para quem é que vai olhar com especial atenção na final dos 100 metros?
Não olho para ninguém. Nem para os meus adversários nem para os meus amigos corredores. Estou completamente focado naquilo que tenho que fazer. Só olho mesmo para mim.
Mas qual é o homem a bater na final?
É o relógio. Não há ninguém em especial. Sou eu e mais sete homens.
Qual é a sua distância preferida?
Os 200 metros. Foi a distância para que treinei sempre desde miúdo. Os 100 metros vieram depois. Os 200 metros são a minha corrida… e muito fáceis para mim.
Pensa tentar, um dia, os 400 metros?
Eu? Nem pensar! Sei que toda a gente me queria ver a experimentar os 400 metros, mas eu não me quero ver.
Na estafeta de 4×100 metros qual é a posição em que gosta de correr?
Aí não interessam as preferências pessoais. Tenho corrido na terceira transmissão e foi assim que batemos o recorde do mundo. A equipa é o mais importante.
Se lhe pedirem, estaria disposto a participar também na estafeta de 4×400 metros?
Se me pedirem e eu me sentir em condições… logo se vê. Pelo meu país sou capaz de fazer o que for necessário.
Sente a pressão de não poder falhar? Tem medo de perder a final dos 100 metros?
Não tenho pressão. Só penso em ganhar. Estou focado naquilo que tem que ser feito que, no meu caso, é ganhar a medalha de ouro. Nunca penso em perder. Sei muito bem o que custa ser campeão, conheço os meus adversários e sei o que tenho que fazer para ganhar.
E tem medo de ser desclassificada por uma falsa partida, como sucedeu nos Mundiais de Daegu?
Se houve coisa que aprendi, desde então, foi a não me preocupar com a partida. Sei que não parto bem e que nunca conseguirei partir como, por exemplo, o Asafa. O meu foco está na corrida em si. A partida não me preocupa.
Lesionou-se recentemente. Como se sente para enfrentar os Olímpicos?
Eu sei que estou em forma. Há duas semanas e meia que tenho estado a treinar muito bem. Vocês vão ver.
Qual é o seu objetivo como atleta?
Tornar-me uma lenda. Ei, mas não sei porque pergunta: toda a gente sabe isso…
As duas derrotas, nos 100 e nos 200 metros, com Yohan Blake nas provas de qualificação da Jamaica fizeram-no acordar para a necessidade de se focar mais se quiser ganhar?
As derrotas fazem-nos sempre acordar. Mas essas não foram as minhas primeiras derrotas. Eu já perdi várias vezes, nomeadamente com o Asafa. Não vale a pena estar a criar agora um caso com isso. Mas claro que as derrotas nos fazem despertar. Fazem-nos procurar o que é que estamos a fazer mal e passar a fazer bem. De uma coisa não tenho dúvidas: na final, aqui em Londres, com o conjunto de atletas presentes, vamos ter uma das corridas de 100 metros mais rápidas a que o mundo já assistiu. Vocês vão ver!…
A rivalidade com Yohan Blake fez esfriar a vossa relação de amizade?
De modo algum. Continuamos a treinar juntos como sempre. Fazemos os nossos exercícios em conjunto, corremos em conjunto e, no final, fazemos os alongamentos em conjunto. Continuamos a ser amigos, claro. Só no momento da competição é que tudo se torna diferente.
Qual a sensação de ter sido escolhido para porta-bandeira da Jamaica na cerimónia de abertura?
É uma honra. Pelo meu país faço tudo. Eu amo a Jamaica e fiquei muito contente por poder levar a sua bandeira no desfile. E vai ser bom: vão estar todas as câmaras de televisão focadas em mim, quando estiver a dar a volta ao estádio.
Qual foi a vitória mais importante da sua carreira?
As pessoas pensam que foi quando me tornei campeão olímpico em Pequim, mas não foi. O meu momento mais feliz foi em 2002, em Kingston, na Jamaica quando me sagrei campeão mundial dos 200 metros no meio do meu povo. Essa é que foi a maior vitória da minha vida, a felicidade que senti nesse momento jamais a voltarei a sentir igual.
Como é ser uma superestrela?
Às vezes ainda fico surpreendido com as pessoas que me conhecem, que me falam na rua, nos aeroportos. Mas é para isso que eu trabalho. Trabalho para ser o melhor, para ser uma lenda. Já houve outras estrelas. Agora sou eu e aceito esse papel.
Mas não incomoda a falta de privacidade o nunca poder andar anónimo na rua?
Eu vivo na Jamaica. E lá tratam-me como uma pessoa normal. Eles veem-me todos os dias, tratam-me como mais um, não como uma estrela.
Se conseguir revalidar os seus títulos olímpicos dos 100 e 200 metros admite deixar o atletismo?
Vou continuar no atletismo, definitivamente. Eu amo o atletismo, é o que eu gosto de fazer. Mas se isso acontecer, se conseguir aquilo que nunca ninguém alcançou no passado, irei arranjar novos desafios. Falarei com o meu treinador e, em conjunto, vamos procurar o que me mantenha motivado. Eu quero ser uma lenda. É para isso que trabalho.