Saberá ele que namoramos a rapariguinha do shopping e gingamos pela rua ao som do Lou Reed? Saberá que deixámos cair o coração no Rivoli, às mãos de quem não ouve a mesma canção? Saberá que o seu Porto sentido estendeu a ponte a outras geografias e afetos? Saberá que colecionamos Falcões e Mandrakes, sentimos as dores da adolescência, dos amores, da vida e revivemos epopeias, quotidianos e bailes de paróquia? Saberá, por fim, que lhe beijaríamos os pés pela eternidade do nosso imaginário coletivo?
Carlos Tê, 56 anos feitos há dias, letrista, licenciado em Filosofia, antigo funcionário do Banco de Portugal, entrou uma destas tardes no restaurante Cão que Fuma, no Porto, desafiado a partilhar um arroz de carqueja, a lambuzar-se com uma aboborada e a pôr a sua vida ao relento. Conversa quase interminável que ainda passeou pela Cantareira e acabaria numa esplanada do Passeio Alegre. Pretexto? Mais de 30 anos depois das primeiras letras, ele ruma a Lisboa, onde o Centro Cultural de Belém lhe dá “carta-branca” sábado, 18, para fazer o que quiser em palco com os amigos. Vão lá estar Rui Veloso, Cristina Branco e os Clã, a cantar umas quantas músicas inéditas e outras menos conhecidas. O recital de cumplicidades incluirá canções que escreveu para a peça “Amor Solúvel” ou para a cantata pop “Missa do Galo”.
Apesar de tudo isto – e também do livro “Cimo de Vila” que ele escreveu e Manuela Bacelar ilustrou, ambos perdidos de amores pelo Porto – e do mais que nesta entrevista se conta, ele teima que o seu tempo já não é deste tempo e as canções já deram o que tinham a dar. Saberá ele que não pode dizer-nos, assim, do pé para a mão, que já não há estrelas no céu?