Por ser o único escritor distinguido com o principal galardão da FIL, o Juan Rulfo, hoje designado por Prémio de Literatura em Línguas Românicas, António Lobo Antunes é o escritor mais aguardado da embaixada nacional em Guadalajara.
Dez anos depois – o prémio foi atribuído em 2008 -, o autor de Memória de Elefante atrai uma multidão de leitores e fãs, que o tratam por “Mestre”. A divulgação da sua obra no México deve-se, em grande medida, ao esforço das universidades. Académicos e especialistas encontram na sua obra inúmeros pontos de contacto com o boom latino americano. Não no sentido da semelhança, mas do aprofundamento de elementos técnicos e estilísticos, como o fluxo de consciência ou o monólogo interior. É por isso que todos os alunos de Estudos Portugueses da Faculdade de Letras da Universidade de Guadalajara o recebem com uma t-shirt igual. Em letras verdes, contra um fundo negro, lê-se: António Lobo Antunes. É o que se chama vestir a camisola.
Antes, na FIL, o escritor participou em diversas sessões: um encontro com jornalistas, uma conversa com a escritora Laura Restrepo, outra com Jerónimo Pizarro e no lançamento da tradução de Não é Meia-Noite Quem Quer. No seu estilo (e feitio) bem particular, António Lobo Antunes revelou-se avesso a responder a perguntas sobre os seus livros (como é hábito seu), bom a contar histórias de infância e exímio na arte de lançar frases de forte impacto junto da plateia. Eis uma coletânea retirada de todas as sessões:
“Há dez anos, telefonaram-me a dizer que me tinha sido atribuído um prémio. Respondi logo: quanto vale? Só depois percebi que estava em voz alta numa conferência de imprensa… [risos].”
“É muito bom estar de volta. Sempre me trataram muito bem em Guadalajara. Conheci gente maravilhosa, de uma ternura que me comoveu.”
“Foi também em Guadalajara que começou um dos grandes pesadelos da minha vida. Diziam que era a vingança de Moctezuma, que ataca os europeus, deixando-lhes as tripas revolvidas. Mas não era, era um cancro. Por isso, conseguir estar aqui, depois de tudo o que passei, é uma alegria ainda maior”.
“A infância volta sempre. É onde tudo nasce, onde a obra começa e termina. Não conheço nenhum bom livro que não seja um regresso à infância.”
“Terminar um livro é como assinar os papéis para o divórcio. Há qualquer coisa que termina. Deixo de ouvir as vozes que me acompanharam durante tanto tempo.”
“Escrever é ouvir com mais força. É um delírio organizado. As vozes começam a falar e só tens de as transcrever e estruturar.”
“Se queres escrever, não podes fazer mais nada: só escrever.”
“Escrever um livro é a única forma de um homem engravidar. E mesmo que nasça um monstro tens de o trabalhar, trabalhar, trabalhar até ficar como queremos que todos os filhos fiquem: perfeito.”
“Não tenho respostas, só perguntas. Tento compreender o incompreensível. Tento compreender a morte.”
“Há vida em tudo o que nos rodeia. Se quiseres, podes encontrar coisas belas em qualquer lado. Basta que saibas olhar.”
“Cada livro é uma surpresa e um presente que sinto que não mereço.”
“Quando li Juan Rulfo pela primeira vez não entendi nada. À segunda também não. O problema era meu, não do livro. Mas tudo se iluminou quando percebi que estavam todos mortos [risos].”
“Ler um livro também é uma história de amor.”
“Não é só um livro que tem de nos seduzir. Nós também temos de o conquistar.”
“Não tenho tempo para relações sociais. Estou a reler Balzac.”
“Isto de um país convidado é sempre discutível. Porquê este país? Porquê estes convidados? Poucos escritores são indiscutíveis.”
“Se eu organizasse uma feira, quantos Stendhal haveria? Em Portugal, nenhum.”
“A vida aqui, agora, para os mexicanos, é muito difícil. Fico furioso que se ponha pressão sobre um povo com séculos de cultura.”
“Que o Trump vá à merda.”
António Lobo Antunes dixit.