“Se não encontro as palavras, não sou nada.” Trezentas actividades divididas pelos nove dias da FIL, horas e horas de conversa com e entre escritores portugueses. Na programação do Pavilhão de Portugal em Guadalajara, não faltam momentos únicos, frases para guardar na memória, testemunhos de um modo de vida e literário. Cada leitor isolará seguramente a sua epifania e com ela poderá entrar no vasto mundo da Literatura Portuguesa.
“Se não encontro as palavras, não sou nada.” No total, participam no programa literário do Pavilhão de Portugal 40 escritores portugueses ou de Língua Portuguesa. Cada um é convidado a falar sobre a sua obra, o seu percurso literário, as idiossincrasias da sua criatividade. Por vezes, isso faz-se através da leitura de pequenos excertos. Dulce Maria Cardoso utilizou essa fórmula para passar em revista os cinco romances que já publicou, incluindo Elite, que acaba de chegar às livrarias. A mesma estratégia seguiu Maria do Rosário Pedreira, falando de poesia e amor, angústias e arrebatamentos, a partir de versos seus. Noutras ocasiões, é uma dupla que entra em campo, como a que juntou Gonçalo M. Tavares e Ondjaki, numa evocação da vida e obra de José Saramago.
“Se não encontro as palavras, não sou nada”. Alguns escritores também foram convidados para uma conferência de tema livre. Ricardo Araújo Pereira analisou o humor ao microscópio, destacando a importância do tempo e da perspetiva. António Carlos Cortez cartografou as traduções de autores lusófonos na América Latina. Dentro das quatro linhas, Francisco José Viegas estabeleceu paralelismos entre futebol e literatura. No fim, afirmou: “O grande futebolista é o que sonha a sua jogada e isto é o que há de mais literário.”
“Se não encontro as palavras, não sou nada.” No programa literário português, o formato mais comum, no entanto, foi o da entrevista individual. Do que nos foi dado a ver, é de Lídia Jorge o momento irrepetível que guardamos da edição deste ano da FIL de Guadalajara. Em conversa com Pablo Raphael, adido cultural da Embaixada do México em Portugal, a escritora começou por comentar a sua ligação à cultura mexicana, que passou primeiro pela arte, Frida Kahlo e os muralistas mexicanos, e só depois pela literatura, com os contos e romances de Carlos Fuentes e a poesia de José Emilio Pacheco.
Mais tarde, surgiram as perguntas sobre a importância da escrita e da criação. “A Literatura é uma forma de se dizer que a mudança é possível”, afirmou Lídia Jorge. “Talvez seja essa esperança que nos diz, com a beleza das palavras, que há uma justiça entre nós e os outros. É uma paisagem indispensável num mundo contemporâneo tão duro como o nosso”.
Notava-se algum pessimismo na sua intervenção, devido em parte ao que considera ser o enfraquecimento da Literatura. “Nesta feira, os livros não estão em perigo, mas no mundo lá fora estão cada vez mais diminuídos”, defendeu. “Somos uma seita que passa as palavras de uns para os outros, mas somos cada vez menos. Estarão os jovens a tornar-se bons leitores? Não sei.”
E, no fim, a confissão. Antes de viajar para o México, a escritora sentia-se sem ânimo, angustiada que estava com tanta mudança no mundo, com demasiados acontecimentos sem explicação racional. Mas eis que veio parar às suas mãos um papel que julgava há muito perdido. Nele encontrou uma frase que escrevera nos seus verdes anos, numa altura em que publicar um romance era o sonho apenas sonhado. Nesse papel, revelou Lídia Jorge a uma plateia cativa e em suspenso, pode ler-se: “Se não encontro as palavras, não sou nada.” Nós, leitores, também não.