É uma família especial, esta. Sete irmãos que funcionam como um clã e que gostam de se reunir numa casa, em Melides, comprada para funcionar como quartel-general. O livro de Helena Reis Não Sou o Único (Presença), dedicado à vida do seu irmão Zé Pedro (apenas onze meses mais novo), é pontuado, ao longo dos vários capítulos, pelos nascimentos dos filhos e sobrinhos. Pedaços de alegrias e de futuro, a contrabalançarem uma outra presença forte, nestas páginas: a morte. A de João F. o marido da autora do livro, espécie de gatilho para este projecto («Leny tens de te ocupar, não podes ficar nesse vazio…podias escrever…», diziam-lhe os irmãos). A do «velho pai», em 2003. A da mãe dos sete irmãos, muito sentida por Zé Pedro aos 27 anos. E já o livro estava pronto quando Marta Ferreira, manager (e, sobretudo, amiga) dos Xutos & Pontapés não resistiu a uma paragem cardíaca, em Junho deste ano.
Também os Xutos & Pontapés são uma «família» especial.
Juntos há quase três décadas, desbravaram caminhos no modo de fazer, produzir, vender rock (em) português. Hoje, ainda sonham «Queremos sempre ser melhores do que no ano passado», diz Zé Pedro, com um sorriso (sim, aquele sorriso de puto).
Conversa longa, à beira do Tejo, na tarde de um sábado em que os Xutos têm dois concertos agendados. Mas comecemos naquele lugar, lá atrás, onde todas as histórias devem começar: o princípio. Neste caso, um barco que viaja para o outro lado do mundo…
Passou quase três anos da sua infância em Timor. Quais são as recordações mais fortes?
Tenho a ideia de Díli: uma igreja, um hospital, um quartel e o resto, casas de colmo. O meu pai era capitão e havia um respeito muito grande à volta dos ofi ciais portugueses. A minha vida era eu, com três irmãs, a tentar fazer amigos, sempre no quartel, onde se passava alguma coisa.
O mais importante que retenho na memória foi ter visto, em Hong Kong, no regresso, tinha eu uns 7 anos, todos aqueles anúncios em néon, as luzes, a electricidade… Não tinha memória de uma cidade a sério, tão imponente. Porque Timor, nesse aspecto, não era nada. Aprendi uma data de coisas sobre bichos, insectos, crocodilos, aranhas, escorpiões. Ainda hoje me sinto fascinado pela BBC Vida Selvagem, deve ter a ver com isso…
O seu pai, depois, ainda foi para a Guiné, mas já não o acompanhou.
Só fui lá nas férias. Não havia escola, por isso os irmãos mais velhos ficaram cá.
Como era na escola?
Sempre fui mau aluno, porque não ligava nenhuma. Quando os assuntos me interessavam e havia coisas a que achava piada, até conseguia ter boas notas. Mas não gostava mesmo nada de estudar. No liceu, queria mesmo era andar nas cowboiadas, faltava às aulas, era desatento, mais rebelde do que propriamente estudante.
Quando começou a afirmar essa rebeldia e, depois, a assumir-se como punk, com alfinetes espetados na boca e essas coisas, como é que o seu pai, militar, lidou com isso?
O meu pai, coitado, teve de aceitar. Ele era um excelente militar, um gajo cheio de ética, e incutiu muito isso em nós. Mas, lá em casa, o elo de ligação familiar mais forte sempre foi a minha mãe. Ela tinha uma vertente muito artística, e sentia que eu tinha esse mesmo lado em mim, sempre apoiou muito as minhas ideias e sonhos. Claro que, às vezes, também se chateava. O punk não foi muito sentido, em Portugal, mas o movimento teve, de facto, um peso muito grande, e como eu consultava muitas revistas, a minha mãe ia-lhes deitando o olho e via essa importância do punk lá fora. O lema do «faça você mesmo» era uma revolução cultural e artística, o no future, a ideia de viver o presente, bateu muito às pessoas. Vim de um festival punk [Mont-Marsan, em França] em 1977 e, desde aí, afirmei-me como adepto ferrenho da causa. Antes, era assim uma espécie de speed-freak rebelde [risos].
O 25 de Abril apanha-o com 18 anos. Como foi?
Foi uma festa, espectacular. Toda a gente na rua. E eu tinha que me sentir parte do processo. Lembro-me de andarem a recrutar pessoal, pela Europa, para irem combater ao lado dos sandinistas, na Nicarágua, e eu estava completamente empenhado em ir, para mim era uma óptima causa. Por sorte minha, não encontrei o contacto deles. Liguei-me muito aos processos revolucionários em curso, na Europa: seguia os passos dos Baader-Meinhoff , das Brigadas Vermelhas, da própria ETA, do IRA. Eram coisas que me diziam bastante.
Sentia-se um revolucionário, portanto.
Sentia, sentia. E era muito empenhado. Mas, curiosamente, safei-me sempre do lado partidário da coisa. No liceu, muitos amigos eram da LCI, outros eram da UEC, outros da Aliança Operária Camponesa, maoístas, uns chatos do caraças. E como eu era muito activista, tentaram muitas vezes puxar-me para dentro desses grupos. Mas eu consegui safar-me, sempre. Aquilo interessava-me, em geral, e tinha o meu lado mais punk, não tinha pachorra nenhuma para reuniões.
Há aí um lado de utopia revolucionária que não pertence tanto à cultura punk do no future…
No punk, tu podias ser o que quisesses, era mais isso. Havia grupinhos, cada um optava por uma maneira diferente de se vestir e de se afirmar. A parte visível dos [Sex] Pistols tentava baralhar os símbolos todos: desde os alfinetes às suásticas no blusão. Era só uma tentativa de afirmação. Mas, por exemplo, os Clash já eram muito mais políticos. E eu era mais clashiano, acho que sim.
O seu pai era um militar com um papel importante no Estado Novo. Como é que via esses entusiasmos?
Nem antes nem depois do 25 de Abril o meu pai foi uma pessoa muito activa politicamente. Não passava para nós esse lado político. Falava-nos mais de coisas concretas, da História mundial… Era muito ligado à ficção científica, levou-me, com 13 anos, a ver o 2001 Odisseia no Espaço e não me explicou uma data de dúvidas que eu tinha, para eu descobrir, por mim próprio, as respostas. Passou-me muitos livros da colecção Argonauta para ler. Era um militar de carreira que cumpria ordens, não dava para perceber se era apoiante do Estado Novo ou não.
Todo esse seu entusiasmo, e a propensão para as artes, tinha muito a ver, percebe-se nesta biografia, com uma força que vem da família, sobretudo da sua mãe. Por exemplo, o acompanhamento que ela dava aos Xutos, no início de carreira, não era a atitude mais natural.
Não era, não. E acho que foi muito bom. Ela sempre me apoiou nessa vertente artística e musical. Acima de tudo, o não puxar para trás é muito importante. Dava-me a sensação forte de ter um porto de abrigo. Ao longo da minha vida, não só artística como social, sempre tive a família. E, no meu caso, ter a família sempre ali permitiu-me ir mais longe nos riscos que corri. Artisticamente, isso também aconteceu. Esse apoio familiar foi muito importante, nos Xutos; não só da minha mãe, como também do pai do Tim.
Deu-nos calma, segurança.
Percebe-se que a sua família funcionou muitas vezes como tábua de salvação, nos momentos mais complicados.
Funcionou, sim. Porque a maneira como nos relacionamos, com a proximidade de idades que temos [os sete irmãos nasceram entre 1954, Paula Maria, e 1965, Patrícia], dá-nos sempre um passado, um presente e um futuro. Com os nossos sobrinhos, com a maneira como lhes vamos passando as histórias, nunca se perdem as referências importantes. E isso é uma rotina nas nossas vidas. Eles adoram, sentam-se à nossa volta, «contem lá aquela história.». É bom, nunca se perde o fio à meada, dá-nos referências. E acho que o facto de se falar em voz alta dá-nos consciência das coisas, se não as verbalizamos parece que não têm verdadeiro sentido. Um ensinamento que ganhámos foi a minha família ter cultivado sempre esse lado das histórias. Esse tipo de conversas, e de educação, acho que nos fez muito bem, prolonga-se anos e anos, fica na família. É uma coisa saudável. Hoje, quando nos encontramos, na casa de Melides, ficamos a conversar até às 4 da manhã, sobre nada, todos juntos. É giro isso, dá-nos uma paz de alma.
Neste livro, sente-se essa energia que vem da família, mas também é muito marcado por episódios difíceis. As mortes da sua mãe, do seu pai.
Esses momentos são a prova concreta de que existe essa tal tábua de salvação ou porto seguro, o que lhe quisermos chamar. A maneira como nos unimos, sobretudo no caso da morte da minha mãe, que foi muito sentida por todos. Foi o nosso primeiro contacto com a morte e acompanhámos todo o processo de degradação dela, mas sempre com uma força enorme. Mesmo já no IPO [Instituto Português de Oncologia], nos últimos momentos, estava sempre a dizer-nos «acreditem em vocês e nos vossos ideais; aproveitem bem a vida». Foram ensinamentos muito dela, muito fortes.
Nos momentos em que se sentiu mais perdido, também esse lado familiar contou muito. Em termos de abusos de drogas, houve duas fases diferentes: uma primeira ligada à heroína, nos anos 80, e outra, depois, mais próxima da típica vida de estrela de rock…
Exactamente. Tinha que ser, fazia parte, um gajo viver essa parte do sexo, drogas e rock’n’roll em pleno! Já a vivi, já passou e adorei enquanto durou. Aproveitei muito bem o álcool e a droga toda que ingeri. As pessoas sempre me disseram que tinha muito «bom beber». Nunca tive grandes angústias, nunca ficava deprimido nem violento.
Já participou em várias campanhas contra a toxicodependência mas tem esse discurso, politicamente incorrecto, de…
A droga tem uma coisa: ao princípio é sempre boa. Vais tomar e é bom, por isso é que as pessoas lá vão! Para mim, há uma droga, das que eu conheci, com que nunca me senti bem: a heroína. Nunca gostei dela, não é só a angústia de não a ter, mas também a depressão de a ter tomado. Era um ambiente de dealers, de pessoas sem interesse nenhum.
Mas foi lá parar por engano?
Não. Foi uma experiência, por estar enfiado num beco sem saída. Se ficasse de fora desse mundo, ficava sozinho. Ou estava ali com eles, com o meu grupo, ou então tinha de sair, e não tinha muitas hipóteses. Mas desde que deixei a heroína, depois de a minha mãe morrer, em 1984, nunca mais lhe toquei.
Nunca se viu, e olhando agora para trás, como toxicodependente?
Não, não. Nunca tive ajudas a nível de tratamento, desintoxicação. Mas, na verdade, sempre que deixei as coisas precisei de um clic muito forte. No caso da heroína, foi a morte da minha mãe, no outro caso foi ter ido parar ao hospital, onde deixei, finalmente, o álcool e as drogas, que já me massacrava desde o início desse ano [2001]. Apesar de querer sair desse ciclo e de não saber bem como, nunca me vi como dependente. Primeiro, o gosto que eu tenho pela vida é muito grande. E, depois, houve sempre os Xutos & Pontapés como algo que eu queria acima de todas as outras coisas.
Conseguiu sempre deixar as drogas, sem recurso a nenhuma clínica ou especialistas?
Nunca acreditei muito nesses processos. Não é uma coisa geral, tem a ver com a minha relação comigo próprio, com a minha cabeça, a minha maneira de lidar com as coisas. A maior parte das pessoas não consegue sair assim. E parecendo que não, ter uma boa relação familiar conta muito. As minhas irmãs, que fumaram os primeiros charros comigo, tomaram, se calhar, os primeiros ácidos comigo, e isso deu-lhes uma segurança grande, fazerem essas experienciazinhas com o irmão… E estive sempre presente, nunca me afastei da família. Era ali que ganhava forças. Bastava-me estar com elas, muitas vezes nem eram precisas grandes conversas, bastava senti-las à volta para as coisas melhorarem, na minha cabeça. E o sentido de culpa, de que não as podia deixar ficar mal, elas que acreditaram tanto em mim, também me vinha muito à cabeça, em fases de recuperação. Pensava. «Eu tenho de fazer isto nem que seja para lhes mostrar que sou capaz, que podem mesmo acreditar em mim…»
Depois, em 2001, foi mais complicado. Mas nunca se nota arrependimento, na sua voz.
Fui um bocadinho longe de mais. Mas eu adorava aquela vida.
No livro, fala-se, a certa altura, de festas muito malucas em que participava, antes de ir parar ao hospital.
Disparei. São coisas que acontecem. Foi um crescendo, inevitavelmente conheces os dealers, sabes as festas onde eles estão e, pronto, vais lá parar… Já vi, já sei o que é. Aproveitei o máximo que pude. Rebentei-me, é certo, mas tive uma segunda oportunidade que não vou desperdiçar, de certeza absoluta.
Como é que recorda esse episódio do internamento, no dia 1 de Agosto de 2001?
O último ano, antes desse dia, foi de sofrimento. A minha relação com a Xana [dos Rádio Macau] não estava nada boa, porque, com drogas e álcool, é impossível ter-se uma relação boa. Fazia directas consecutivas, já me sentia xexé, baralhava as ideias, nada me dava gozo… Ao longo da minha vida, esse terá sido dos momentos em que me senti mais perdido e desequilibrado, tirando os desgostos de amor, em que sofro muito sou um apaixonado nato, fico muito descontrolado com desgostos de amor… Mas, nessa altura, estava mesmo perdido.
E sentia que alguma coisa tinha de acontecer…
Tinha de acontecer qualquer coisa, sim. Não sei porquê, pensava que ia ter um desastre de automóvel. Na altura, tinha um Audi A3, guiava que nem um maluco e não me importava muito com o que me pudesse acontecer. Era um abismo, e eu a correr, ali ao lado. Depois, no dia em que fui parar ao hospital, com uma hemorragia no esófago que me fez perder três litros de sangue, eu sabia que se estava a passar algo de mau, mas não sabia se queria resolver o assunto ou deixar-me ir. A Xana salvou-me a vida, fez isso por mim, se se tivesse ido embora eu tinha morrido ali em casa. Foi ela quem telefonou à Marta [Ferreira] que me levou para o hospital. Desde que entrei no carro da Marta, e desde que cheguei ao hospital, eu tive a noção exacta de que me ia safar. Não sei como nem porquê. O médico chegou lá e disse «isto está tudo muito mal, não sei se vais aguentar» e eu respondi-lhe que ficasse tranquilo, que eu ia safar-me e que nunca mais ia beber na vida. Lá no hospital, já deitado na maca, ainda me vieram pedir um autógrafo, numa radiografia, e eu dei! Podia ter sido o meu último autógrafo. É, pelo menos, o meu último autógrafo em estado alcoólico!
Depois, conseguiu deixar mesmo o álcool e as drogas, sem mudar de vida.
A minha vida era aquela, foi para a ter que eu lutei sempre. E o Miguel, o meu médico, hoje meu amigo, nunca se opôs a nada, porque sentiu a minha convicção nas coisas. Na minha cabeça, nunca mais apareceu o desejo de álcool. Mas, felizmente, apareceram as cervejas sem álcool… [risos]
Olhando para a sua vida, pode dizer-se que a música e os afectos são os seus grandes alicerces?
Acho que sim, é uma boa maneira de resumir a minha situação… O lado emocional é muito importante para mim. Há a família, claro. E sempre fui um apaixonado. Vivi as minhas loucuras todas com raparigas e… fãs não, porque nunca fui muito adepto de me envolver com admiradoras, é sempre uma relação um bocado estranha. A minha primeira experiência sexual foi altamente, na altura de liceu, com uma rapariga por quem estava muito apaixonado, éramos os dois virgens, foi muito saudável. Até essa parte me correu bem na vida. O facto de ter crescido com cinco mulheres, as minhas irmãs, à minha volta, sempre inspirou a minha forma especial de tratar as raparigas. Entendo-as bem. Mas, mesmo para mim, não é fácil… [risos]. Acho que sou mais tolerante, o segredo passa por aí, percebê-las mesmo é mais difícil… Tive relações muito saudáveis, com a Mizé, a Ana Godinho, a Xana… Passámos altos momentos. E agora também encontrei o meu amor, o meu recanto não posso falar muito disso, em breve falarei…
A sua carreira musical também tem muito a ver com afectos. Os Xutos têm milhares de fãs que gostam mesmo de vocês, não é só a música que conta.
Sim, é verdade. Um grupo como os Xutos tem os seus momentos maus, mas o equilíbrio ganho através do respeito e da amizade é uma parte fundamental. É uma coisa sagradíssima, muito natural, e que é difícil de encontrar. Uma coisa que admiro imenso, por exemplo, nos Gato Fedorento é isso mesmo. Como é que aqueles gajos, com as pressões todas que têm à volta, conseguem manter-se unidos, tomar as suas decisões. Nos Xutos, achamos sempre que temos um futuro tão bom para ser aproveitado que não vale a pena estar a estragá-lo com precipitações. Apesar de termos tido algumas, claro…
Nunca passaram para fora grandes conflitos entre os Xutos. Apesar de quase terem acabado.
Grandes conflitos nunca houve.
Aquela coisa do «já não posso ver este gajo à frente!»
Ah, isso sim, felizmente também há, nos Xutos! Até é saudável, sobretudo quando conseguimos dar a volta às coisas e desculpar-nos uns aos outros. Ou seja: no colectivo, nunca houve nada de muito forte, mas, individualmente, sim. Já tive guerras com todos, desaguisados com todos, e eles comigo. Passamos a maior parte do tempo juntos, é a nossa vida. Não é sempre «Olá! Estás bem? Tudo bem.» Enquanto andamos na estrada, a coisa dilui-se muito pela equipa, que é muito grande. Mas, durante o trabalho criativo, quando fi camos fechados numa sala, o ambiente, volta e meia, é mesmo agreste. Nunca andámos ao murro, mas estivemos muito perto disso. Somos todos criativos, todos temos opinião. Posso pegar-me à discussão sou muito atreito a discutir; apesar de não ser confl ituoso sou muito teimoso com o Kalu, em termos de estética musical. Somos os dois muito roqueiros… O Kalu é muito mais roqueiro do que o Tim, que tem, muitas vezes, o papel de apaziguador. Tem muito mais uma noção musical do grupo, sabe pôr as coisas a soarem bem para todos.
E o João [Cabeleira], não diz nada.
O João diz imensa coisa! Quando veio ter connosco já vinha calado, e o envolvimento com drogas ainda o calou mais. Agora que deixámos essas partes mais difíceis das nossas vidas, e o João fala, fala [risos]. Às vezes, emperra, por não ter falado durante muitos anos. Eu acho que está a dizer tudo o que não disse antes!
Na biografia, a sua irmã escreveu: «Nós acreditamos que o Zé trocou uma vida familiar convencional para investir toda a sua energia e o seu amor nesta outra maneira de viver as emoções, as alegrias e as afeições.» Concorda?
Está muito bem dito por parte da minha irmã! Mas filhos, espero ainda ter. Estou com grandes esperanças de vir a ter filhos.
Durante algum tempo não pensava sequer em seguir a carreira de músico, mas depois de ver os punks, pensei «calma aí que ainda consigo ir para cima de um palco!». Isso mexeu muito comigo, e apliquei toda a energia, os conhecimentos e os afectos que tinha, o que aprendi, até nas relações familiares, numa nova forma de viver, numa maneira de ir conquistar esse mundo, o que para mim era uma coisa essencial. Mais do que estar em palco, era a ideia de conseguir fazer uma carreira… Não foi só pela música que ganhámos a posição que hoje ocupamos. Foi pela atitude, a maneira de dizer não a facilitismos, a maneira como hoje queremos sempre ser melhores do que no ano passado. Mas desde 2001 para cá, consigo encarar muito melhor uma vida pessoal do que antigamente. Antes, mesmo as minhas relações eram muito apoiadas no rock’n’roll, era uma vida mesmo de rock… Hoje, acho que consigo muito bem fazer o equilíbrio, e sabe-me bem conseguir pensar que vou ter filhos, que vou ter um ambiente familiar óptimo e continuar, ao mesmo tempo, a fazer aquilo que sempre quis… Principalmente, é muito bom ter descoberto o amor da minha vida, o que me dá uma força enorme.
A última morte a marcar este livro foi a de Marta Ferreira, manager e um dos motores da máquina dos Xutos & Pontapés. Ressentiram-se como grupo, estão numa encruzilhada?
Não, felizmente não. A Marta foi uma pessoa muito especial, na reestruturação dos Xutos, e também no lado afectivo, na família dela, a maneira como adoptou dois gémeos guineenses, sozinha… Dentro dos Xutos, criou uma estrutura muito sólida que nos deixou, quando morreu, numa posição com margem sufi ciente para reestruturarmos as coisas, com calma. Sentimos muito a falta dela, claro. E, pessoalmente, era a minha grande amiga. Quando tinha problemas, dificuldades, ou queria contar alguma coisa, corria a maior parte das vezes para ela, e vice-versa.
Os Xutos estão, então, cheios de planos?
Os Xutos continuam em grande. E estas coisas também têm a vertente de unir ainda mais o grupo… Vamos ter um Agosto muito cheio, a tocar. No início de Setembro fazemos em Lisboa, na Torre de Belém, um concerto com uma big band de jazz, com 20 ou 30 elementos. E no final do ano vamos comemorar os 20 anos do Circo de Feras, num misto de concerto e grande espectáculo circense. Deverá ser no Campo Pequeno, será o nosso circo de Natal. A partir de Setembro, devemos começar a pensar no disco novo.
Estão com a corda toda…
Ah, sim, isso estamos! E daqui a dois anos fazemos 30 anos.
A ideia da Marta era fazer um estádio em Lisboa para a comemoração, vamos lá ver se conseguimos ir para a frente.
(Entrevista publicada na VISÃO 749 de 12 de julho de 2007)