Quando começou a escrever A Guerra dos Tronos, nos idos de 1991, George R. R. Martin tinha 43 anos e sentia-se derrotado. Era um dos milhares de argumentistas que formigavam em Hollywood, requisitados para alimentar uma máquina devoradora em constante regurgitação. Este filho de um estivador de Nova Jérsia, leitor voraz e cheio de ideias mirabolantes, picava o ponto, produzindo guiões para séries como Twilight zone/A Quinta dimensão e A Bela e o Monstro. “Vivia num estado de frustração constante”, confessou, em 2014, em entrevista à Le Nouvel Observateur. “Os meus guiões eram sempre demasiado longos, demasiado caros… Normalmente diziam-me: “George, isso é bom, mas custa cinco vezes mais do que o orçamento previsto. Tens que reescrever tudo.” E então, eu eliminava personagens, cenas…” Mas chegado o verão, o contrato com Hollywood esfumou-se, e Martin começou a escrever um livro de ficção científica, Avalon. Quarenta páginas depois, surgiu-lhe uma estranha cena fora dos planos: um miúdo gentil, Bran Stark, a descobrir uma ninhada de seis lobos bebés, os guardiões de uma das famílias dos sete reinos ficcionais de Westeros, e que seria o primeiro capítulo de A Guerra dos Tronos. “Escrevi-o em três dias. Abandonei imediatamente o Avalon. Tinha escrito umas cem páginas d’As Crónicas de Gelo e Fogo… quando o meu agente me ligou para me dizer que tinha conseguido entrevistas com três cadeias de televisão”, recordou o autor.
O novo emprego como guionista obrigou-o a guardar os papéis na gaveta. Mas Tyrion Lannister, Daenerys Targaryen, Eddard Stark e Jon Snow inquietavam-no: os personagens desse universo fantástico, compreendido entre a Grande Muralha e Castle Black, pediam dedicação. À espera de lugar na narrativa complexa, estavam guerras e golpes palacianos, amores incestuosos, desvarios e conspirações de nobres, uma rainha tribal em marcha pelo trono de ferro, um anão desavindo com o pai, uma mãe coragem, uma feiticeira com poderes de ressurreição, demónios ancestrais, dragões.
Em 1994, farto dos deveres televisivos, George R.R. Martin pede ao seu agente literário para vender as magras cem primeiras páginas da história. “Na origem d’A Guerra dos Tronos está o meu desejo de escrever algo tão grande como a minha imaginação, sem me preocupar com orçamento, sem querer saber quantos cenários digitais ia pagar ou se uma batalha é tão cara que tem de ser substituída por um simples duelo entre o herói e o mau da fita”, descreveu. Para sua surpresa, quatro editoras manifestaram interesse nesta fantasia total, à maneira do admirado Tolkien.
Jogo de antecipação
George R.R. Martin também fora buscar matéria prima à realidade: “Queria escrever uma versão da Guerra das Duas Rosas em género fantástico. Inspirei-me também na Guerra dos Cem Anos, nas Cruzadas, especialmente na Albigense, contra os cátaros. Para a Patrulha da Noite, lembrei-me dos Templários, dos Cavaleiros Hospitalários, da Ordem de Malta, de todos esses tipos de irmandades guerreiras.” Quando estava no terceiro volume de As Crónicas de Gelo e Fogo, Hollywood despertou para o mundo imaginado pelo seu ex-assalariado. A Guerra dos Tronos é a mais bem sucedida série de televisão de que há memória, mas os livros que a originaram não lhe ficam atrás.
Desde o lançamento do primeiro tomo de Crónicas de Gelo e Fogo, em agosto de 1996, foram vendidos mais de 60 milhões de exemplares em todo o mundo. Em Portugal, os dez volumes publicados (a editora Saída de Emergência optou por publicar cada livro em dois tomos) somam os 250 mil exemplares. É um longo caminho percorrido para o miúdo de dez anos, leitor ávido de clássicos do terror e da ficção científica, como Robert A. Heinlein e H.P. Lovecraft, que escrevinhava à mão nos cadernos da escola. “Escrevia histórias de lobisomens, vampiros, monstros, e vendia-as por 5 cêntimos.” Como alguns colegas não sabiam ler bem, Martin lia em voz alta, sublinhando efeitos dramáticos, como os uivos dos lobisomens. Um dos meninos começou a ter pesadelos… e a mãe de George proibiu-o de continuar. “Foi o fim do primeiro capítulo da minha carreira de escritor.”
No seu blogue Live Journal, George R.R. Martin fez um balanço no dia 1 de agosto: “Faz vinte anos… não quando o Sgt. Pepper [alusão ao oitavo álbum dos Beatles, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band] ensinou a banda a tocar, não, isso foi muito mais cedo… mas quando Guerra dos Tronos foi publicado pela primeira vez, em agosto de 1996.” Nesse post, o escritor descreve os primeiros tempos: “As críticas eram geralmente boas, as vendas foram, enfim, razoáveis. Sólidas. Mas nada de espetacular. Nada de listas de best sellers, claro.” O circuito de autógrafos, fê-lo em cidades como Houston, St. Louis, Chicago ou Seattle, com um público “modesto” que “nunca chegava à centena”. E conta que, em St. Louis, chegou a colocar na rua quatro clientes, o que lhe permitiu “um recorde negativo de menos quatro autógrafos”. “Mas como as coisas mudaram nos últimos vinte anos. O meu público é agora maior (embora, infelizmente, eu já não possa falar cinco, ou dez minutos com cada cliente)”, diz. “Ah, como eu era inocente…”, suspira. “E antes que alguém pergunte, não, eu não fazia ideia, quando comecei, onde é tudo isto me iria levar… ou quão longa seria a estrada.” Fazendo uma autopiada sobre os prazos de entrega de livros que não cumpriu, falha que muitos fãs não lhe perdoam, sublinha que ainda não tem novidades sobre o prazo de entrega do sexto dos sete livros previstos na saga, The Winds of Winter/Os Ventos do Inverno.
Este é um novo capitulo, também para Martin: é a primeira vez que uma saga literária é ultrapassada pela sua adaptação televisiva: a sexta temporada de A Guerra dos Tronos está a ser transmitida no canal SyFy… sem o livro publicado. A partir de agora, as aventuras literárias e televisivas caminharão (ainda mais) por rumos diferentes, o que levanta questões sobre como a série de tv poderá influenciar o final da história. Certezas? Em 2018, A Guerra dos Tronos terá a sua última temporada. Já os dois livros finais da saga, só George R.R. Martin (e talvez Bran Stark) saberá quando terão vida.
Tronomania
Fenómeno cultural de massas, ‘‘A Guerra dos Tronos’’ acumula recordes e marcos: a série televisiva venceu 26 prémios Emmy ao longo das primeiras cinco temporadas, e é a mais pirateada de sempre na internet. Cada episódio tem um orçamento de dez milhões de euros. Transmitida em mais de 170 países, a sua quinta temporada teve uma média de sete milhões de espetadores norte-americanos. Em 2015, foi a série mais comentada no Twitter e no Facebook, o mesmo ano em que foram criados dois cursos baseados no complexo universo de fantasia de George R.R. Martin nas universidades de Berkeley e do Illinois, nos EUA. A morte do personagem Jon Snow, no fim da quinta temporada, gerou uma comoção mediática nunca antes vista. Um último sinal de hegemonia popular? Quando a aguardada sexta temporada estreou, em abril último, ninguém teve direito a uma preview dos novos episódios… exceto o Presidente Obama, que alegou não ter tempo para seguir a série ao ritmo do restante público.
5 diferenças entre série e livros
O Casamento Vermelho
Episódio traumático para qualquer fã da série, já que são ceifados com violência protagonistas como Robb Stark (Richard Madden), a sua mãe, Catelyn Stark (Michelle Farley), e a mulher grávida, Talisa (Oona Chaplin). Nos livros, a consorte tem outro nome, não há um casamento relâmpago, e Catelyn ressuscita como Lady Stoneheart…
Arya Stark vs. Lord Twyin Lannister
No livro, o temível patriarca (Charles Dance), e a filha mais nova dos Stark (Maisie Williams) não se cruzam: Arya passa despercebida em Harrenhal durante a estadia de Twyn. Na série, os argumentistas transformam-na na copeira do poderoso Lannister, com quem estabelece um diálogo inteligente, pouco credível entre amos e semiescravos.
A maldade segundo Joffrey Lannister
George R.R. Martin descreveu este personagem da saga literária como um rapazinho dado a cometer crueldades com animais. Na série de televisão, o rei Joffrey (Jack Gleeson) é um vilão memorável, um psicopata armado com uma besta, que faz várias vítimas humanas.
Xaro Xhoan Daxos, quem és tu?
Na segunda temporada da série, Xaro, o príncipe mercador da cidade de Qarth (interpretado por Nonso Anozie), é um homem negro disposto a casar com a Mãe dos Dragões (Emilia Clarke). Nas Crónicas de Gelo e Fogo, é um comerciante branco e gay.
As marcas de Tyrion Lannister
Um dos personagens mais marcantes da série, o filho mal amado dos Lannister fica horrivelmente desfigurado na batalha de Blackwater, descreve o segundo livro da saga. Na série, Tyrion (Peter Dinklage) ganha apenas uma cicatriz no nariz: era caro demais usar efeitos especiais em todos os planos…