Em Portugal, a ligação entre o coreto e a Igreja – ou a prática do catolicismo – parece estar presente logo na etimologia da palavra. Coreto, diminutivo de coro, o lugar, na igreja ou na capela, que fica mais alto, quase sempre em madeira, em forma de estrado ou palanque a partir do qual se reza a missa. Esta é uma das explicações mais comuns e é lembrada pelo escritor Delmar Domingos de Carvalho, um dos raros autores portugueses que escreveu sobre a origem dos coretos e a génese da palavra.
Se em países como França ou Inglaterra a disseminação do coreto está associada aos valores do liberalismo político, em Portugal essa influência existe mas diluiu-se com o peso da Igreja Católica na sociedade. Ao longo da segunda metade do século XIX e sobretudo durante o Estado Novo, que se baseou numa forte relação entre Estado e Igreja, privilegiando o conservadorismo de costumes para sua própria sobrevivência, o coreto passou a ser, sobretudo, um palco de festividades religiosas um pouco por todo o País, um prolongamento da Igreja para um ambiente mais pagão. Em aldeias, vilas ou cidades, no largo da igreja há quase sempre um coreto e isso não é um mero acaso ou apenas uma nota decorativa associada a uma época.
O facto é que falta contar esta história, a da relação entre este tipo de equipamentos urbanos e a prática da religião. Há pouca documentação e são muito raros os testemunhos disponíveis, mas é possível montar um puzzle rápido a partir de peças soltas. E uma das mais importantes para entender esta ligação é a banda filarmónica. A história das bandas em Portugal está intimamente relacionada com a existência dos coretos, o palco público que difundia a música fora dos ambientes eruditos. A filarmónica nasceu com essa função, e o coreto foi o seu habitat natural.
Um dos capítulos da Enciclopédia de Música Portuguesa do Século XX, dirigida pela etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco, da Universidade Nova de Lisboa, fala do papel que a Igreja teve na formação de bandas filarmónicas em Portugal e que se pode equiparar ao desempenhado pela política. Aí, segundo o musicólogo Paulo Lameiro, as filarmónicas surgiram da necessidade da Igreja ter música para as celebrações religiosas da mesma forma que os politicos precisavam de animação para a sua promoção. O coreto, difusor público de “cultura”, cumpria a função de palco da banda que, ao cumprir a sua função cultural, servia também interesses políticos e religiosos.
Formadas sobretudo por instrumentos de sopro e percussão, as bandas adaptaram algum do seu repertório a festividades religiosas. Foi o que aconteceu com as chamadas “marchas graves”, com partitura própria e temas como a Crucificação ou a Anunciação, e que eram compostas para acompanhar procissões.
O Coreto da Paróquia
Muitos dos coretos construídos no País surgiram, assim, por iniciativa paroquial. No Montijo, o coreto que está no Largo da República, junto da Igreja Matriz, foi inaugurado em 1926, após uma petição pública promovida pelo padre Gomes Pólvora, sócio da banda filarmónica local. Na Nazaré, o coreto está em frente ao santuário. Foi construído em 1897 e era o centro das festas de Nossa Senhora da Nazaré. Também em Odivelas, o coreto está junto ao Mosteiro de S. Dinis, e foi inaugurado no início do século XX com donativos da população local.
Mas o mais emblemático talvez seja o de Canelas, em Vila Nova de Gaia. Construído em 1907 por iniciativa paroquial, é atualmente património nacional. Fica no Jardim de S. João e é um belo exemplar do estilo Arte Nova. Octogonal, com base de granito e estrutura de ferro forjado, tem o interior da cúpula decorado com as imagens dos compositores Wagner, Verdi, Beethoven, Shubert, Aubert, Alfredo Keil e César Morais.