Filipa Lázaro tem 26 anos e tocou oboé durante dez na Banda Filarmónica de Torres Vedras. Já ouviu muitas histórias sobre o tempo em que ao domingo a banda tocava à tarde no coreto do Jardim da Graça, no centro da cidade, então centro da vila. “Nos anos 30 e 40 era assim. As pessoas passeavam enquanto se divulgava música.” O coreto hexagonal, base de pedra, e ferro verde trabalhado, cumprindo os preceitos tradicionais da arquitetura do género, já não existe. Foi destruído na década de 50 quando o jardim foi requalificado.
“O que aconteceu com o coreto de Torres aconteceu a outros”, continua Filipa sobre percursos opostos: a decadência dos coretos seguiu o sentido inverso da dimensão das bandas filarmónicas. São muitas, cerca de 700 no País e com um percurso formador. “Hoje há mais mú- sicos, mais material de percussão, mais instrumentos para responder a um repertório mais extenso. As bandas filarmónicas que resistiram tiveram de se adaptar”, justifica, referindo que hoje, dificilmente uma banda filarmónica cabe num coreto, a não ser que este tenha dimensões maiores do que as dos coretos tradicionais. “A banda tem cerca de 70 músicos, num coreto comum cabem trinta.”
O aparecimento dos coretos e das bandas filarmónicas está intimamente associado em Portugal. Um e outro surgiram associados aos ideais difundidos pela Revolução Francesa e à noção de que a cultura não deveria ser um exclusivo de elites. Isso ganha nova dimensão com os efeitos da revolu- ção industrial, o crescimento da população das cidades e consequente construção de jardins e parques públicos destinados aos momentos de lazer. Os coretos, já existentes em jardins privados, eram colocados, em regime permanente ou provisório, palco de músicos que tocavam transcrições de grandes clássicos.
Em Portugal a esse período coincidiu com as guerras liberais. A apareceu como uma “aliada” da guerra conforme a descreve Delmar Domingues de Carvalho autor de A História das Bandas Filarmónicas, onde conta a que era um “meio de incentivar a força, a coragem”, mas também uma forma de fazer os “intervalos entre as guerras”. Bandas militares e fanfarras animavam os espa- ços públicos e mais tarde evoluiriam para as bandas filarmónicas, com repertório mais ambicioso e onde cabiam músicos profissionais. O erudito saía do S. Carlos para a avenida, as elites reconheciam-no, o povo familiarizava-se com aqueles acordes retirados do seu contexto tradicional.
Até meados do século XX, em romarias de aldeia ou festas de cidade, as bandas filarmónicas e os coretos continuaram a desempenhar um papel central. Mas o modo de ouvir música alterou-se. A cópia musical e a diversidade de salas de espetá- culo trouxeram novos hábitos. Os coretos entraram numa decadência que parecia irreversível até finais do século XX. Os coretos onde, por exemplo, tocavam as bandas em New Orleans – inspiração para muitas orquestras de cariz mais popular como as filarmónicas portuguesas –, ou aquele em que David Bowie fez uma das primeiras aparições públicas, em Inglaterra, na mesma data do festival de Woodstock, ressurgem, mas já não apenas enquanto palcos privilegiado de bandas filarmónicas. Para isso, como refere Gil Lopes, professor de música no Conservatório do Porto e até há pouco maestro da Banda Filarmónica da Trofa – uma das com maior tradição em Portugal –, precisam de se adaptar. “As bandas mudaram, houve uma alteração da sua configuração, optaram por uma programação mais sinfónica, há uma maior variedade de instrumentos e os coretos terão de ser palcos maiores”, salienta, acrescentado que os palcos retangulares ou em forma de concha – a chamada concha sinfónica – são os ideais. “Já existem bons exemplos em Portugal. O novo coreto do Jardim de Famalicão ou o do Palácio de Cristal, no Porto.”
Com a recuperação de milhares destes espaços um pouco por todo o mundo, o coreto ressurge na sua vocação musical, mas com uma função mais diversificada. Palco de festivais de jazz, como acontece em Paris, ou de música Pop, caso de Londres, permanece com a tradição da banda de instrumentos de sopro, músicos anónimos, e o público que divide a aten- ção entre o som que lhe chega do palco e o que se passa à volta.